Veremos em que dá...

Blog pessoal de Lucio Baena de Melo.

Li hoje que milhares de blogs são criados diariamente e não duram mais que 6 meses.

EIS MAIS UM FORTE CANDIDATO!

Tentarei escrever aqui alguns pensamentos, comentários sobre o dia a dia que se vive embaixo do sol...

Este foi o primeiro post e o deixarei aqui pois explica o título do blog: Um Peregrino.
Por que "Um Peregrino?"

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Sobre o Amor

Um paciente morreu.

Nenhuma surpresa para o médico que trabalha num serviço de emergência. A morte é uma presença constante. Não que amigos sejamos. Há um respeito mútuo. Às vezes ela vence, outras: eu. Traiçoeira que é, ela retorna outro dia e aí não tem jeito. Encontrar-se com ela é o fim de todos os homens.
Mas como dizia: um paciente morreu. Chegou ao pronto socorro um senhor de 85 anos em parada cardiorrespiratória. Nossa equipe tentou trazê-lo à vida e nossos esforços foram incapazes de reverter aquele quadro. Àquele paciente chegara a sua hora.
Coube a mim, o mais velho do grupo (mas com metade da idade do paciente) informar aos familiares o ocorrido. Ser-me-ia difícil? Não. Estava triste? Abalado com o ocorrido? Não. Enfrentar a morte é nossa rotina. Não seria a primeira vez tampouco a última. Era mais um senhor idoso que encontrou o fim de seus dias. Lá fui eu.
Apontaram–me uma senhora sentada num canto. De longe achei que deveria ter uns 70 e poucos anos. Ao chegar mais perto a vi: bem arrumada, maquiada, com uma impecável saia, blusa vermelha e colar. Cabelos louros pintados, sentada com as pernas cruzadas, coluna ereta e uma postura elegante. Apresentei-me e sentei a seu lado. Contei o estado grave que o esposo adentrara ao hospital e as infrutíferas manobras de ressuscitação. Enfim, ele falecera.
Ela virou-se a mim e perguntou brandamente: “Doutor, meu marido se foi?” Respondi afirmativamente e assenti com a cabeça. “Doutor, ele morreu?” Respondi sim.
Imaginei que ela fosse cair aos prantos ou desmaiar. Nunca se sabe a resposta dos familiares nessas horas. Ela olhou ao horizonte e disse: “Ah Doutor. Por que ele foi embora? Vai ser muito difícil. Será difícil pra todos nós. Mas pra ele será muito mais.”
Como assim? Pensei eu. Entendo que a família sentirá falta afinal foram anos e anos de convívio. Mas e ele? Como ele sofrerá mais? Afinal não morrera?  Enfim, percebi que deveria ouvir essa mulher. Havia algo mais a aprender. Ela percebeu que eu estava atento e interessado e continuou a falar.
Conheceram–se adolescentes. Ela 14 anos e ele 18. Ao se encontrarem na missa, à primeira vez, se amaram só de olhar, segundo suas próprias palavras. Foi um vendaval. Naquele momento selaram suas vidas e souberam que seriam um do outro, para sempre. Foi um casamento de almas. E sendo amor, o seria para sempre.
Quando a gente se casa há um erro no cerimonial. O clérigo costuma dizer  “até que a morte os separe”. Ouso dizer, e esta mulher pode ser a prova disso, que há amor que nem a morte é capaz de separar. Os Romeus e Julietas ainda existem.
Essa senhora me contou do trabalho de ambos por toda a vida, da dedicação e amor aos filhos e o grande respeito e carinho de um pelo outro. Respeito, consideração, partilha, entrega e afeto. Brigas e desentendimentos. Mas nunca que os separasse por muito tempo. Nada que um abraço, um olhar ou um pezinho roçando o outro debaixo das cobertas não fosse capaz de resolver. Pensar e cuidar um do outro, sempre.
Ela me fez a difícil pergunta: “Doutor, onde será que está meu marido?” Titubeei e quando iria questionar a crença dela, ela mesma o respondeu: “Doutor, ele deve estar num lugar muito melhor! Mas independentemente de onde quer que ele esteja, eu tenho certeza: Ele está com muitas saudades de mim!”
Foi o suficiente pra mudar o meu dia.
E continuou: “Ele deve estar muito bem. Só não está melhor porque não estou com ele. Ele está me procurando. Deve estar me esperando.”
Emocionado, segurei a mão daquela senhora. Queria ouvi-la mais, e se pudesse, daria a ela um microfone e pediria que falasse alto a toda uma geração. Mas a plateia ali era eu. E havia muito o que aprender.
Perguntou de mim, de meu casamento e de meus filhos. Pediu que os amasse. Que fosse alegre, brincalhão e divertido. Daqueles que rolam no chão com as crianças. Devotado ao lar e à sua felicidade. Fiel e verdadeiro. As dificuldades viriam. Mas a casa fundada sobre a rocha não cede às tempestades. E o amor é este fundamento. É a argamassa que nos une, é essa coluna sólida que erige o edifício de nossas vidas.
Falou de minha profissão. Da necessidade de médicos que sejam mais humanos e afeitos ao sofrimento dos pacientes. Cuidadosos, afáveis e que não houvesse aquela empáfia. Concordei. Afinal somos todos o mesmo pó.
Despedi-me. Ela agradeceu nossos esforços e o momento compartilhado. Dei um abraço nessa professora de saber viver e agradeci as palavras e as lições de vida.
Não sei onde eternamente repousa o esposo amado. Quem sou eu pra saber onde está, e se está num lugar melhor que este ou não. Tocou-me quando disse que ele deveria estar num lugar melhor e que mesmo assim, sentia a falta do amor de sua vida. Ou seja, a glória eterna não seria completa e sublime sem ela.

Muito me admira a envergadura dessa mulher. Essa coluna pétrea fundida em amor a ponto de afrontar as glórias do Paraíso.


Que o amor seja para sempre, e nem a morte os separe. 

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