Veremos em que dá...

Blog pessoal de Lucio Baena de Melo.

Li hoje que milhares de blogs são criados diariamente e não duram mais que 6 meses.

EIS MAIS UM FORTE CANDIDATO!

Tentarei escrever aqui alguns pensamentos, comentários sobre o dia a dia que se vive embaixo do sol...

Este foi o primeiro post e o deixarei aqui pois explica o título do blog: Um Peregrino.
Por que "Um Peregrino?"

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

In Memoriam - Prof. Waldir Eduardo Garcia.

Procura-se Um Homem Honesto

Prof. Waldir Eduardo Garcia

           Há mais de dois mil anos vagava pelas ruas de Atenas o filósofo Diógenes. Vestido como um maltrapilho e quase nu, a narrativa é que durante o dia carregava uma lanterna acesa em punho, e declamava pela cidade: 

          “Procura-se um Homem Honesto! 
            Procura-se um Homem Honesto!

                               
            Nossa escola de Medicina esta semana viu-se destituída de uma das colunas principais que lhe dava sustentação. No último dia 14 de dezembro, às 10 horas da manhã, cerrava os olhos para esta vida e adentrava à imortalidade o pranteado Waldir Eduardo Garcia.

            Médico impregnado até à medula. Excessivamente bom, dedicado, humilde e solícito. Daqueles bons que se encontram poucos pela vida. Sei que durante seu trajeto pela nossa escola recebeu inúmeras homenagens! Todas merecidas, mas nenhuma à altura do que este homem nos representou, até porque desconheço alguma homenagem que lhe seja justa em virtude da incomensurável bondade e nobreza de espírito que lhe eram inerentes. Ou seja, por mais que o homenageamos e o honramos em vida, isto foi pouco se comparado ao que merecia. No entanto, ele pouco se importava com as honrarias mundanas. Era um vinho de rara pipa! 

            Nas mídias sociais jorraram gestos de homenagem e consideração a este homem que a todos nos tocou. Foi nosso pai, nosso amigo, nosso irmão. Sempre que nos encontrávamos – e isto era quase todos os dias – ele dedicava alguns minutos a saber de mim, como eu estava, perguntava de minha esposa e meus filhos pelo nome. Eu lhe dizia que minha barba estava ficando igual à dele e ele ria e respondia que queria ter a barba como a minha, que ainda é escura, já que a dele branqueou. E eu emendava: eu te dou um pouco de barba preta e você me dá um pouco da tua pra cobrir minha calvície. Piadinhas bobas que sempre fazíamos um com o outro. 

            Na verdade, Waldir, eu não queria ter uma barba como a sua. Eu queria ser gente como você! Eu queria ter a decência que você teve em vida. Eu queria ter o sorriso franco e alentador que você nos oferecia. Eu anelo um dia ter um pouco do conhecimento que você teve e a capacidade de nos confortar e dar direção nas horas de desespero nos embates do dia a dia. Eu um dia sonho em ter a humildade que você teve e pra isso a gente tem que esvaziar de si mesmo. Como a gente vive envolta em confrontos, em meio à ganância, inveja, dissensões... Por que em nosso meio há tanta disputa? Por que em vez de se “amar o próximo” o que se vê é puxar o tapete do próximo? Precisamos nos desprender disso tudo e deixar reinarem o amor, a paz, a mansidão. Aprendo muito com você, meu amigo! Aprendi que vale é ter amigos com quem contar, que uma família sólida é um arcabouço pra se viver feliz. Que o amor e respeito devem ser soberanos. Aprendi que há trigo no meio do joio. Aprendi que há diamante em meio ao carvão.  

         Como era lindo e apreciável encontrar você e a Jurema. Eram nítidos o amor e a cumplicidade. Qual casal que ao se deparar com vocês e ver a maneira que falavam de seus filhos, não pensaria dentro em si: "Gostaria de ser como Waldir e Jurema"...

Hoje eu sinto um vazio, Waldir. Eu sinto um oco dentro de mim. Parece que algo foi-me arrancado. Fui ao teu setor e você não estava lá, Waldir! Aquilo tudo respira você e você não estava lá, Waldir!

Esta semana abracei teu discípulo Marcel. Foi um abraço sentido, demorado, de órfãos que se encontram. Cai sobre esta geração mais nova de teus alunos (Kunii, Marcel, Fabrízio e outros) a responsabilidade de honrar o teu legado. Tarefa árdua! Entretanto, não será difícil tendo em vista o alicerce e conselhos partilhados por você, além da imorredoura imagem do mestre.

Lembro agora o poema de John Donne:

"Nenhum homem é uma ilha isolada, cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra, se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti".

Como eu me sinto diminuído, Waldir. O quanto eu me sinto pequeno! Você era uma luz que brilhava na escuridão de nossas incertezas. Você era o prumo que nos alertava a dar escorreitos passos pela vida profissional e acadêmica. Você era o modelo do perfeito docente. Você era uma rocha em caráter, adamantino em sua retidão. 

Diógenes, o maltrapilho filósofo de Atenas que em pleno dia empunhava uma lanterna, se vivo fosse, teria nestes dias alcançado a cura dos anseios de sua alma! Teria em ti, meu saudoso Waldir, encontrado o homem que há séculos estava a sua procura.

Saudades,

L.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Dr. Afonso Nacle Haikal

Talvez você não saiba quem é este senhor simpático na foto. Mas se você é Londrinense, deve a ele gratidão.

Encontrei-o hoje no Catuaí Shopping, me apresentei e solicitei este retrato. Este senhor é o Dr. Afonso Nacle Haikal (crm 540), o primeiro pediatra de Londrina. Chegou a Londrina em 1941.

Exerceu a pediatria por mais de 50 anos e por suas santas mãos mais de 100.000 crianças receberam amparo, ciência, bondade e seu sorriso cordial. Cuidou de gerações de famílias. Participou da fundação de nosso curso de medicina da querida UEL. Em 1991 recebeu do CRM-PR o Diploma de Mérito Ético-Profissional pelos 50 anos de atividade ininterrupta.

Conversamos por alguns minutos, apresentei minhas crianças e minha esposa, que é pediatra, e é filha de pediatra formado pela primeira Turma de Medicina da UEL.  Ou seja, certamente nossas vidas estão relacionadas.

Abracei-o,  agradeci pelo retrato e pela história de sua vida.

Que as gerações relembrem estes homens e seus feitos...

Obrigado, Doutor Haikal.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

UEL 5 anos

Hoje me é um dia muito especial. Há 5 anos, após alguns anos de separação, eu retornava à casa que tudo devo.

No inverno de 1991 adentrava a esta casa como um calouro da Escola de Medicina. Em 1997, com os olhos marejados e um sorriso nos lábios, dela saía com o título de médico. E com um profundo senso de gratidão! Uma alegria ao saber que uma etapa terminara. Quantas aulas, quantos plantões, quanta noite de sono perdida. Quanta renúncia por um sonho.

Também foi nestes corredores que minhas mãos e meu coração se uniram a outro coração. Caminhamos juntos, traçamos planos e hoje compomos uma família feliz onde o amor é compartilhado e amadurecido. Como não ser grato a esta instituição que tanto bem fez à minha vida? Uma instituição tão milagrosa que transforma pedras em diamantes e que forja heróis do dia a dia?

Ainda seus corredores viram meus passos nos 4 anos seguintes de residência médica. Sempre havia o aprendizado diário com os residentes, docentes, colegas, funcionários e os pacientes.

Em 2008 a ela retornei. No dia 28 de novembro fui convocado a assinar o termo de docência. Após a papelada protocolar, um gentil funcionário me cumprimentou, olhou em meus olhos e disse: "Parabéns, seja bem-vindo, PROFESSOR!" A palavra me foi um choque! PROFESSOR!. Assim era eu chamado pela primeira vez. Logo eu, professor de nada e de ninguém.

Falar das dificuldades de ser docente numa instituição estadual num país como o nosso não convém a estas linhas. Pois a finalidade delas é expressar minha gratidão.

Percebo algum conflito de gerações. Tanto da minha geração à de meus antecessores (aos quais sou imensamente grato) e da minha para com os que vêm por aí (estes dão um pouco mais de trabalho). Aprendo com todos. Sou nutrido com a experiência, conhecimento e bom senso dos mais antigos. E também com a mente afiada e impetuosidade dos mais novos.

Destes relacionamentos surgem vários desentendimentos. Aprendi, no entanto, de que esta diferença entre as gerações "é um teatrinho, um jogo de cartas marcadas no qual um dos contendores luta para vencer e o outro luta para ajudá-lo a vencer" (O. de Carvalho). Assim, meus alunos (se me permitem chamá-los assim), nossas diferenças existem para que vocês sejam melhores do que fui como aluno, do que sou como docente e melhores como jamais serei. Vençam! Sejam melhores que eu!

Com muitos de vocês aprendi valorizar o nosso curso de Medicina. Posso dizer como vocês que o "sangue laranja" percorre por minhas veias. E que meu coração pulsa mais forte quando ando pelos corredores da UEL.

Dias atrás lembrava do exato lugar onde meu mestre Faissal Muarrek por mim era visto pela derradeira vez. Lembrava do cavelheirismo do Dr. Fraga. Da caderneta infalível do Dr. Eduardo Rego. Das visitas temíveis com Dr. Lamartine. Do inesquecível Dr. Altair Mocelin. Das broncas ao instrumentar para o Dr. Palma... e tantos outros que não mais se encontram entre nós pois já entregaram o seu óbolo ao barqueiro sinistro.

Estou olhando agora para qmeu quadro de formatura e para o cartão (que quis emoldurar) que recebei ao adentrar à docência. Quantos momentos!

Amanhã cedo estarei por aí de novo, em seus surrados corredores... E que assim o seja por muitos anos... Obrigado UEL, por me fazer mais feliz.
Com meu amor,
L.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Oliver Sacks, 80 anos!

O mestre chega aos 80 anos! 

Sempre em meus contatos com acadêmicos, internos e residentes endosso a grandeza de alma, humildade, acurada capacidade de investigação e o dom de converter tantas e fantásticas experiências pessoais em livros. Oliver Sacks é magnífico no que faz. Todo aluno de medicina deveria ler "O Homem Que Confundiu Sua Mulher Com Um Chapéu" ou assistir ao filme "Tempo de Despertar", com Robert De Niro e Robin Williams. 

Parabéns e Shalom, Mestre Sacks!


Foto autografada do Mestre Sacks.

O cânone.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

A QUEM HONRA, HONRA. Quase um ano sem o nosso Ary...


Até breve,
 Almirante!

Eu o chamava assim: Almirante. Ele me chamava de "Capitão Ilustre"! Logo eu, fidalgo em nada e comandante de ninguém.

Conheci Ary através do querido casal de médicos Etel e Luiz Gabriel, em um jantar na casa de meu digno e honrado professor da faculdade de medicina, o Prof. Dr. Adelmo Ferreira. Nesta noite recebemos o convite para conhecer a Igreja Batista Catuaí. Eu freqüentava com a família, não com assiduidade, uma outra igreja evangélica; mas não estávamos contentes por várias razões. Inicialmente não demonstrei muito interesse pelo convite até que Gabriel soube lançar uma boa moeda de troca: "Apareça lá, a gente tem um intervalo quando é servido um café!" Respondi que qualquer dia iríamos conhecer a igreja e tomar um cafezinho com eles. O casal querido não sabia que um bom café é uma das coisas que faz minha vida ser mais feliz. 

Visitamos a igreja no domingo seguinte. Um salão pequeno e aconchegante: a Igreja Batista Catuaí! O nome era convidativo, catuaí é uma variedade de café e eu sou meio fanático pela escura, quente e amarga bebida! 

Um calvo e sorridente senhor nos recebeu de forma calorosa e assistimos a reunião - embora confesso que parte de minha preocupação residia na qualidade, temperatura, moagem e sabor do café que ser-me-ia servido. Não recordo o sermão e tampouco a qualidade do café... Só sei que de lá não mais saímos.

Não me recordo nestes anos ter visto alguém de forma tão clara, tão simples, tão atual e de forma tão apaixonada expor o Evangelho da Cruz de Cristo.  Ary conseguia trazer as verdades da Palavra de Deus para os nossos dias e para a prática da vida diária.

Gostava muito de futebol e do Palmeiras (o que pra mim é indiferente, já que somos "rivais"); no entanto, admirava Machado de Assis. Curiosamente em nossas conversas sobre livros - uma paixão compartilhada - vimos que sabíamos alguns mesmos sonetos de cor. Comentamos, por mais de uma vez, o soneto publicado no "Relíquias da Casa Velha", o derradeiro livro que Machado dedicara ao amor de sua vida, Carolina Augusta Xavier de Novais.

E assim como Machado encontrou sua Carolina portuguesa, nosso querido Ary teve os melhores e mais felizes momentos de sua vida ao lado de outra Carolina, só que esta veio da América do Norte. A linda loura americana levou o mineiro às nuvens. E assim o foi pelos mais de quarenta vividos em amor que viveu nosso nefelibata. Carolina era sua preciosidade! No dizer machadiano:

"Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro."

Quem os conhecia, sabia o que era um amor devotado. Um exemplo!

Determinado domingo, perguntei sobre algum tema que não me era claro e ele me disse: "Batuta, vá em meu escritório esta semana tomar um café e vamos conversar!" Eu fui, e dessa vez, mesmo que não houvesse o café, eu teria ido.

Passamos nos reunir semanalmente. Cada semana conversávamos sobre um texto da Bíblia, sobre a carta de Romanos, sobre nossos filhos, nossos casamentos, as esposas, a igreja, a vida diária. Ele me dizia coisas pessoais que eu ficaria encabulado de fazê-lo, se fosse o inverso. Mas a proximidade e a confiança nos permitia fazê-lo. Assim era meu Almirante. Simples, sábio, humano e verdadeiro. 

Estudando a Bíblia com Ary e sendo por ele incentivado revisitei meus heróis do passado: John Wesley e Martyn Lloyd-Jones. O primeiro arminiano e o segundo calvinista. Lloyd-Jones era um médico de prestígio que decidiu abandonar a carreira médica e pastoreou uma pequena igreja em Gales. Posteriormente por 30 anos serviu na Westminster Chapel e foi um dos escritores protestantes mais profílicos do século XX. Hoje possuo toda sua obra. E aprendo com seus ensinamentos.

Lloyd-Jones escreveu 14 volumes sobre a carta do Apóstolo Paulo aos Romanos. O Almirante sempre dizia que seu livro predileto da Bíblia era Romanos. É conhecida a série de estudos de Ary sobre o tema. Quem o conheceu certamente o ouviu falar as 6 palavras chaves de Romanos (Problema, Solução, Vida, Israel, Conduta e Conclusão). Ou o "DDD" de Efésios (Doutrina, Deveres e Defesa). 

Aprendemos com Ary uma de suas máximas e o significado dela: "Temor a Deus é aprender levar Deus a sério!" Quantas vezes o ouvimos falar sobre isto? E como descobrimos com ele que levar Deus a sério está relacionado na observação, interpretação e aplicação de conceitos bíblicos à prática diária... Ary nos dizia no discipulado que aprendera estudar a Bíblia com Howard Hendricks e através dos ensinamentos e disciplina adquiridos nos passava o esquema "ÓIA": Observação, Interpretação e Aplicação da Palavra de Deus. 

Uma vez viajamos para uma cidade próxima - umas duas horas de viagem - e Ary me contou parte de sua vida e suas experiências. Contou a influência de Rosalee Appleby, disse sobre seus estudos e seus professores nos EUA, o início e dificuldades na formação da Igreja Batista do Morumbi. Era um visionário. Fomos privilegiados em tê-lo estes anos em Londrina. 

Um dia conversávamos sobre textos bíblicos prediletos. Ary sempre comentava sobre a carta de Romanos e sobre o versículo de Filipenses, que foi o mote de sua vida: ..."o viver é Cristo e o morrer é lucro". Eu sempre dizia que meu texto predileto é o capítulo 11 de Hebreus, onde há a descrição dos exemplos e heróis da fé, em especial os versos 13 a 16:

"Todos estes morreram na fé, sem terem alcançado as promessas; mas tendo-as visto e saudado, de longe, confessaram que eram estrangeiros e peregrinos na terra. Ora, os que tais coisas dizem, mostram que estão buscando uma pátria. E se, na verdade, se lembrassem daquela donde haviam saído, teriam oportunidade de voltar. Mas agora desejam uma pátria melhor, isto é, a celestial. Pelo que também Deus não se envergonha deles, de ser chamado seu Deus, porque já lhes preparou uma cidade."

Assim eu termino: meu saudoso e pranteado Ary, estrangeiro e peregrino nesta terra! Tu chegastes agora à Patria Celestial e alcançastes a promessa. Tua vida foi um exemplo, fostes um diamante. Certamente Deus não se envergonhou de ser chamado o seu Deus!

Saudades de ti, Almirante!

L.

Londrina, 23.VI.2012