Veremos em que dá...

Blog pessoal de Lucio Baena de Melo.

Li hoje que milhares de blogs são criados diariamente e não duram mais que 6 meses.

EIS MAIS UM FORTE CANDIDATO!

Tentarei escrever aqui alguns pensamentos, comentários sobre o dia a dia que se vive embaixo do sol...

Este foi o primeiro post e o deixarei aqui pois explica o título do blog: Um Peregrino.
Por que "Um Peregrino?"

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Ricardo Veronesi, 10 anos sem o mestre

             
  Nós estivemos juntos pela última vez em um velório. Em abril de 2002, nas dependências da Congregação da Faculdade de Medicina da USP, a comunidade médica rendia suas homenagens a um dos monstros sagrados da arte hipocrática: a morte de Carlos da Silva Lacaz. 


                Naquele ambiente que se respira história da medicina, lado a lado, comentávamos a recente perda para São Paulo, o Brasil e a humanidade. 

                Depois conversamos por algum tempo sobre família, minha cidade e depois ainda falaríamos algumas vezes ao telefone. Dois anos depois chegaria sua vez.
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                Conheci Prof. Veronesi enquanto eu era aluno da faculdade de medicina em Londrina. Sempre atento às biografias médicas e ao estudo de nossa história caiu-me às mãos (o dono do exemplar é meu colega de turma Paulo Navarro) a biografia do Prof. Renato Locchi, anatomista, discípulo direto e herdeiro da tradição de Prof. Alfonso Bovero, nome este que renderia um adjetivo cujo significado era austeridade, dignidade, retidão e competência. Dos anos 30 aos 70, os possuidores de tais qualidades eram nomeados “à boca pequena” de “boverianos”.

                Após a leitura deste livreto, de autoria do Prof. Liberato Di Dio (que também conheci através dos Professores Lacaz e Veronesi) decidi conhecer mais sobre a história da medicina em SP e acabei conhecendo o Prof. Ricardo Veronesi.

                Descendente dos “italianinhos do Brás” (como ele dizia), na adolescência cogitou ser oficial da Polícia Militar de São Paulo (antiga Força Pública). Tal ideia foi deixada de lado por influência de outro nome sagrado da cardiologia brasileira: Bernardino Tranchesi. Seu grande colega de turma era outro nome honrado da cardiologia: João Tranchesi.

Formado médico em 1946 cuja nome de turma foi o Prof. Renato Locchi. Especializou-se em infectologia e em especial virologia. Currículo invejável, fundador de sociedades, detentor de prêmios internacionais e autor de leis que trouxeram grande benefício à coletividade. Em 1960 lançou seu tratado que ainda hoje é referência na especialidade.

                Conheci pessoalmente em 1993. Daí os encontros e conversas se tornaram frequentes. Ajudava-me em meus estudos de história e falava das dificuldades da carreira médica, dos sucessos, de seus trabalhos, dos vieses. Falava de seus colegas de turma, das saudades da época de faculdade e de seus inesquecíveis mestres. Com muito carinho comentava de sua saudosa esposa Ofélia. Suas filhas e netos eram motivo de grande orgulho.

Veronesi era polêmico. Conservador nas esferas políticas. Possuía seus desafetos políticos e também no próprio meio médico. Talvez hoje, se vivo, sua voz seria mais ouvida em virtude da podridão política que vivemos. Seria um feroz combatente da esquerda brasileira e de toda a chaga que nos tem imposto.

                Um dia me surpreendi com um telefonema. Fora convocado a comparecer em sua casa, no bairro do Pacaembu, em São Paulo.

                Marcamos a data que não interferiria em meu calendário escolar e lá compareci.

                Chegando lá, havia uma papelada amarela jogada nos sofás e no chão. Fotos e anotações. Queria compartilhar comigo seu mais novo trabalho: a organização das comemorações do cinquentenário de sua turma de medicina. Mostrou-me cartas, fotos, o projeto do livro que estava confeccionando com outros colegas de turma. Parecíamos duas crianças ajoelhadas vendo papéis. Mostrou parte do livro escrito à mão por ele. Perguntava o que eu achara, pediu algumas opiniões (quem seria eu pra aconselhar um homem de sua envergadura?).


                Meses depois eu recebia em casa um exemplar com uma belíssima dedicatória. O exemplar está guardado com zelo. A dedicatória muito me enlevou. Não mais a um mero aluno, e sim ao “amigo”. Amizade que sempre me orgulhei.

                Um de seus ensinamentos que talvez mais me tenha marcado: “Orgulhe-se de sua escola! Honre sempre o nome de sua escola, e nunca se esqueça dela!”

Tenho tentado, mestre! Tenho tentado!

Numa de nossas conversas, regadas com um pouquinho de uísque, ele me disse: “Você é um idealista e valoriza a história. Isso é raro hoje em dia. Se Locchi vivo fosse e te conhecesse, seria considerado um boveriano”.

                Quem me dera, Professor. Quem me dera! Falta muito, muito...

    Hoje faz 10 anos que o mestre se foi, aos 85 anos.


                Saudades...