Veremos em que dá...

Blog pessoal de Lucio Baena de Melo.

Li hoje que milhares de blogs são criados diariamente e não duram mais que 6 meses.

EIS MAIS UM FORTE CANDIDATO!

Tentarei escrever aqui alguns pensamentos, comentários sobre o dia a dia que se vive embaixo do sol...

Este foi o primeiro post e o deixarei aqui pois explica o título do blog: Um Peregrino.
Por que "Um Peregrino?"

terça-feira, 31 de maio de 2016

O Banquinho de madeira - Réquiem

O banquinho de madeira*
  Réquiem.





H meu banquinho. Tu não mais existes. Não resististe às intempéries causadas pelo tempo.

            Cogitei levar minha esposa e crianças com o intuito de se obter um retrato junto a ti. Seria uma lembrança de onde tudo começou e os frutos que vieram. Assim, fui te visitar almejando esse reencontro e não mais estavas lá. Senti (e ainda sinto) tua ausência.
           
Deste singelo fato percebo duas lições: a efemeridade das coisas materiais e o tempo que se esvai como areia entre os dedos. Aquele tão batido ditame “não deixe pra amanhã o que pode ser feito hoje” aqui caiu como a luva.

            Eu me pergunto o tanto que visualizastes ou fostes partícipe nestes mais de 20 anos de tua honrosa existência. Quantas brigas entre casais, quantas discussões entre os alunos sobre escalas e outros assuntos, conversas entre docentes, temor perante os exames e regozijo após um resultado favorável. Tu foste testemunhas de tantos momentos.

Quantos familiares por ti em pranto passaram dominados pelo medo, angústia ou esperança em razão do estado de saúde de um ente querido... Ou quantas crianças se sentaram junto a seus pais, com os bracinhos amarrados naquela tábua e carregando aquele horrível suporte das medicações injetáveis...

Quantos acertos testemunhaste...

Quantos erros e desencontros também vivenciaste.

E falando em desencontros recordo-me da frase de Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”. Citando-a, lembro e ratifico que um dos maiores encontros e acertos que viste, ou melhor, foste grande partícipe e personagem, foi iniciado há vinte e um anos quanto tive a oportunidade de encontrar aquela que seria o grande amor de minha vida. Oh, que encontro permitiste!

            Às vezes me sinto um tolo ao escrever sobre um objeto sem vida.

            No entanto, tua madeira alguém plantou, regou e cuidou até se tornar frondosa árvore a oferecer sombra e refrigério quiçá a algum casal apaixonado. Li que teu ferro foi extraído de uma série de minérios depositados por anos e anos na natureza; e que foi necessária adição de carvão e carbono temperado a fogo pra dar rigidez e formas necessárias. O carvão pega fogo com facilidade. Os diamantes derivam do carbono que está inserido em teu metal.  Aprendi que o cimento é uma mistura de materiais que é aquecida a 1500 C até que ela se funde e forma uma substância sólida que dá sustentação a quase tudo que a gente vê pelas ruas. Que interessante.

Naquele 31 de maio de 1995, o que encontro que presenciaste me fez incandescer. Naquele dia duas almas se aqueceram, se fundiram ante o calor proporcionado e desse encontro surgiu um diamante. E é esse diamante que é constantemente lapidado: a joia do amor de nossas vidas.

Com o passar dos anos tua madeira foi apodrecendo e teu ferro enferrujou. A madeira e ferro estão sujeitos às ameaças do tempo. Há que se ter preparo e cuidado a fim de que permaneçam belos e protegidos.

Esqueceram de ti, banquinho. Eu mesmo te negligenciei. Trouxeste tantas benesses e no entanto não cuidei de ti, de teu bem-estar. Logo eu que tanto te exaltei.

Meses atrás passei por ti e vi que tua madeira estava podre. Peguei um pedaço que estava ao chão e pra casa levei. Cuidei, poli e estás aqui ao lado como lembrança daquilo que representas pra mim.


Tu não mais existes. A madeira, o cimento e o metal não foram capazes de resistir às agruras do tempo. Mas o que viste nascer e frutificar, que é o amor entre duas pessoas, isso permanece e é aperfeiçoado. Ainda que venham as tempestades da vida, esse diamante permanece cada vez mais belo e valioso, e que o seja para sempre.

http://luciobaena.blogspot.com.br/2015/05/o-banquinho-de-madeira-20-anos_31.html

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Nove dias úteis

Nove dias úteis




INHA caçula comemora mais um aniversário neste junho: 9 anos. Nem parece que já se passou tanto tempo que peguei aquela coisinha pequena em meus braços, no centro cirúrgico, e a amei.

            Essa semana pediu-me uma boneca. Mais uma! Procurou nas lojas através da internet e me mostrou a eleita para seus nove aninhos. Olhei, comparei os valores entre as lojas e efetuei o pedido. Estando tudo certo, recebi uma mensagem que a encomenda chegaria em “nove dias úteis”.  E é sobre isso que pretendo tomar a atenção de vocês a estas linhas. Desde já peço devidas escusas pelo incômodo e por desviar as atenções para este aprendiz de escritor.

            Sabemos que os “dias úteis” são os dias tradicionalmente comerciais ou de trabalho mais comuns, ou seja, de segunda a sexta-feira. Mas sendo eu um nefelibata, alguém que vive nas nuvens, teço uma meditação sobre isso. Rogo paciência a vocês.

            Se há os dias úteis, haverá também os inúteis? Se hoje domingo fosse, iria à igreja com a família, almoçaríamos em algum restaurante, leríamos um pouco, café, cinema... Ou ficaria em casa assistindo a um filme com filhos e esposa deitados todos na mesma cama... Teria sido um dia inútil?

            Em verdade talvez essas poucas horas seriam mais úteis à minha saúde mental, física e espiritual que todos os outros dias juntos.

            Todos os dias me são úteis. Cada dia que acordo agradeço ao Pai Celestial (em quem deposito minha confiança neste mundo cada vez mais estranho). Agradeço a oportunidade de estar vivo! Agradeço pela família feliz e abençoada. Agradeço e peço direção em minha profissão – uma das mais belas que há. Agradeço por me permitir estender a mão a um necessitado de afeto, conforto e atenção.

            Quando encontro os pacientes nos corredores do hospital, aflitos ante ao sofrimento, sob angústia e insegurança, o fato de eu poder explicar, conversar, consolar e amparar já faz parte da ministração da cura. Não podemos nos esquecer do antigo aforismo: “curar algumas vezes, aliviar outras, consolar sempre!

            Agradeço ao Pai Eterno que, além de me permitir exercer a medicina, concedeu a graça de ser professor (ao menos tento) dessa mesma arte! Ensinar às novas gerações de médicos! Não é uma fácil tarefa. Mas é imensamente gratificante. Honra-me servi-los com alguns de meus parcos talentos.


            Medicina é servir!

            Ensinar é servir!
           

            Uma vez este austero senhor estava em visita médica aos pacientes no hospital escola acompanhado de alguns alunos. Enquanto conversava com um paciente, numa maca em corredor frio de hospital, segurei a mão daquele paciente (um senhor idoso debilitado) e a acariciei, tentando consolá-lo e confortá-lo naquele estado das coisas. Aquele paciente poderia ser meu pai, poderia ser eu deitado na maca (nem cama confortável era) ou algum ente querido. Embora fosse um desconhecido, era um irmão em humanidade e necessitado de ajuda. Tão digno ou mais até do que um rei. Pois este terá o melhor que a mesa farta pode dar. Já aquele terá mui vez que se contentar com as migalhas que lhe são oferecidas. O senhor idoso permanecia em ambiente estranho, em meio à correria, mortes, choro, dor e náufrago num mar de impessoalidade.

            Segurei e acariciei a mão daquele senhor. Ele sorriu e eu também. Houve entre nós uma troca de afeto, de singeleza e de ânimo que a ciência não explica. Um conforto que não se administra nos frascos de soro.

            Reparei a reação dos alunos ao ver este carrancudo aprendiz de professor acariciando e afagando a mão do padecido doente. Um apresentava olhar de espanto, outra sorria atingida por aquele momento único que o amor era ministrado, e outro era indiferente... Que meus alunos sejam estudiosos, técnicos, escorreitos e, sobretudo: aprendam que a arte da medicina requer compaixão e devoção.

            Usem da tecnologia e de todo conhecimento técnico. Mas sejam caridosos e saibam ouvir. Ajam com firmeza quando necessário o for. E saibam que a palavra doce dada em hora certa cicatriza as feridas da alma.

            Que haja amor em todos os atos!

            Só haveria dias não úteis caso não houvesse amor no mundo.

            Amor em todos os atos!

            Agradeço a Deus por permitir que todos meus dias sejam úteis!

            O apóstolo Paulo escreveu que: “Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor”.

            Que haja amor em seus atos e que todos os seus dias sejam úteis!


Londrina, maio de 2016.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Kuplic

Kuplic

Para Alexandre, meu amado filho.

         
    VOCÊ era um bebê lindo. Lindo, maravilhoso e fofinho. Não que nestes 11 anos bebê não o seja mais. Sempre será meu filhote querido e amado do pai, meu amigão e companheiro de tantas aventuras, filmes, seriados e leituras. Eu sei que você não gosta que eu diga, mas não resisto: sempre será o meu bebezão!

Uma vez, retornando numa noite da casa de seus avôs, você estava no “bebê conforto” no banco de trás do carro. Eu me dividia entre estar atento ao volante e vigiar você pelo retrovisor. De repente eu ouvi uma palavra estranha e diferente: “Kuplic, kuplic.”

Mantive meu olhar direcionado a você e continuava: “Kuplic, kuplic”. Eu disse: “O que você está dizendo, meu filho? ”

Você, ao ouvir minha voz deu um belo e largo sorriso e não parava de dizer aquele mágico vocábulo que nos entretinha, como se cada pronúncia fosse uma nova descoberta: “Kuplic, kuplic.” Antes você estava naquela fase que os pediatras chamam de “lalação”. Agora não, você emitia uma palavra mais articulada.

Coração de pai é bobo mesmo. Eu me encantava e me deleitava com esta tua nova descoberta. Você permaneceu alguns minutos dizendo “Kuplic, kuplic”. E eu ria junto.

Você estava curioso com o novo som que eclodia de teus lábios? Esse era o motivo de você repetir sem parar essas palavras? Era a visão que tinha do passeio através da janela do carro e queria me contar algo que viu?  Seriam as casas e carros que pareciam novos ao teu mundo? Ou você repetia estes vocábulos sem parar já que via a cara apaixonada de teu pai ao apreciar esta tua adorável manifestação...

Você sabe, meu filho, quantas vezes eu te disse que essa foi a primeira e misteriosa palavra que você emitiu. E sabe as inúmeras vezes que te olhei e disse: Kuplic, kuplic”.

Ainda hoje, sempre quando pronunciamos, sem saber a tradução desse dialeto do amor, olhamo-nos e caímos em gargalhadas.

Que palavra misteriosa e poderosa é essa, meu filho? O apóstolo Paulo narra em sua carta à igreja de Corinto: “ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, se eu não tiver amor, nada seria...” Terá este teu vocábulo alguma analogia com a língua dos anjos, já que você sempre foi meu pequeno anjo que trouxe um pedacinho do céu pra nossa casa?

Logo mais de seus lábios eu ouviria outra palavra: “Papai”. Esta foi uma das maiores alegrias que Deus me permitiu nesta vida. Ser teu pai. Ver você crescer e ter seus gostos e vontades, tua individualidade, tuas leituras e já as incipientes dorezinhas no peito que surgem quando o coração bate mais forte ante as princesas de teu reino. Pensa que não percebo?

Tenho saudades de muitas de suas horas. Àquelas que remontam dores, não. Mas o resto, sim. Desde aquela madrugada que te peguei no colo, no Centro Obstétrico - quando guiada pelo Altíssimo a Dra. Marlene facilitou tua trajetória a este mundo e o “tio” Vinícius ministrou os primeiros cuidados – até hoje cedo quando te tirei da cama pra ir à escola. Tenho saudades de cada momento, meu filho. De tuas primeiras palavras, de quando pedia pra mim o “pilito” em vez do pirulito, do “cuco de luva” (que era teu sagrado suquinho que a vovó preparava pra você) e do terrível medo que tinha do grande e cruel “caminoto” (que era um pequenino gafanhoto que te visitava da janela).

É uma dádiva de Deus estar com você todos os dias, meu filho. Viveria novamente cada minuto que vivi por ti.

Que teu trilhar seja de alegrias, vitórias e esperanças. Haverá momentos difíceis, meu filho. Mas creio em Deus que permitirá e fará crescer em ti caráter altivo e combativo. Aprenda com as dores e derrotas. Aprenda, sobretudo, aprenda!

Creia no Onipotente Deus, meu filho, e empregue tuas habilidades à prática do bem e à glória de Seu Santo Nome.

Foge do elogio e agrado fáceis. Cultive amizades e esparge o bem, meu filho.

Brinque bastante. Estude mais ainda.

Ame e seja amado. E queira Deus que encontre uma mulher com que possa compartilhar os anos de tua juventude e maturidade, e ser feliz. Ter alguém ao lado é uma dádiva do Eterno. Esta graça recebo diariamente ao conviver com tua mãe e com vocês dois, Laura e Alexandre.

Como narra o Sagrado Livro, “que as palavras de teus lábios e o meditar de teu coração sejam agradáveis na Tua presença, Senhor Rocha minha e Redentor meu”.

E sempre, meu filho, quando você tiver alguma dificuldade, inquietação, algum medo ou quiser compartilhar alguma conquista neste vale de lágrimas, olhe pra mim e diga ou balbucie: “Kuplic, kuplic”. Eu saberei que este é nosso código secreto, a senha mágica de um dialeto baseado no mais puro amor e que nos manterá unidos para sempre.


Kuplic, kuplic!

terça-feira, 10 de maio de 2016

Onde está o urso da amizade?

Onde está o urso da amizade?

À Laura, minha amada filha.


Onde está o urso da amizade?


Tenho por hábito anotar certas datas do cotidiano meu e da família. Hoje li em minhas anotações um singular evento. Nesta data, numa livraria há 3 anos, minha caçula emocionada se dirigiu a mim e disse: “Papai, este é o primeiro livro que li inteiro!” Era um livrinho fino, ricamente ilustrado, próprio para sua idade. O nome da obra é: “Onde está o urso da amizade?” E assim, naquele dia, meses antes de completar 6 aninhos, minha princesa debutara naquele momento único e sublime pelo encantador mundo da leitura.

Rememorando esta data tão importante em tua vida decidi escrever-te estas linhas.

Filha, quando vejo ou leio a palavra “urso” algumas considerações me veem à mente.

A primeira delas é aquela mais fofa, mais tenra e própria de tua idade. Aquele bichinho fofinho, que quase toda menina tem um de pelúcia pra dormir abraçadinho. Lembra-te do “Pançudo”? Ou daqueles ursinhos policiais que eu trouxe de Londres pra guardar teu sono? É verdade, filha! Com o intuito de proteger o sono de uma princesa, nada mais apropriado do que os servos de vossa Majestade. Eles são fofinhos, gostosinhos de abraçar e carentes de um afago gostoso como só tu sabes dar.

Lembro-me também de outro “urso”, o cronista Rubem Braga. Ah, minha filha. Desse eu falaria horas e te apresentaria suas fantásticas obras. Conheceríamos o Cachoeiro do Itapemirim e a “Fazenda suspensa no Ar”. Narraria a ti a experiência dele com os pracinhas na Itália e suas belíssimas crônicas atemporais. Num cantinho lá em casa há um exemplar autografado. Guardado com carinho. O Urso debruçou sobre ele e o dedicou a alguém. O velho Braga era seco, quieto, sério, bravo e áspero. Teu pai tem muito dele. O mesmo jeito “turrão” e teimoso. Só que aquele sabia escrever, este não. Braga será motivo de nossas conversas literárias quando chegar a hora.

Outra lembrança que me ocorre ao ver (ler ou ouvir) a palavra “urso” é a poesia de Drummond (esse é outro que precisarás conhecer) dedicada a seu neto. Em certa passagem, ele o diz “...que seja humilde tua valentia. Repara que há veludo nos ursos.” Ah, minha filha. Isso diz muito a nós e em especial a ti.

Vejo-te menina linda e encantadora, a joia do pai. Apresentas uma sagacidade especial. Possuis agilidade mental, raciocínio e ardil (no elevado sentido do termo) ímpares. És bravinha e temperamental (culpa do pai). Valente e desafias os meninos nas práticas desportivas. Sabes como se impor e és autêntica em todos teus atos. Quem te conhece, minha filha, sabe que há em ti um pote de mel. Uma doçura que é sorvida diariamente por aqueles que te cercam e te amam. A doçura de tua mãe.  És veludo, doçura, alegria e amor.

Há outro “urso”, minha filha, e pra este há que se tomar maior cuidado. Há uma expressão dos tempos recentes chamada “amigo urso”. Não, não! Não é o teu amiguinho do livro. O “amigo urso” é uma expressão feia, ou como falamos: pejorativa.

Amigo urso é aquele que é falso. Faz-se de amigo e prestativo mas poderá em algum momento trair-te. O abraço dele inicialmente poderá ser agradável e te dar conforto, e depois será capaz de te estraçalhar e deixar-te em ruínas. Cuidado, filha, com os amigos ursos. Cuidado com as amizades fáceis da vida.

Eu queria, minha filha, ser o urso que abraças e dedicas carinho e afeto; ser o ursinho guarda que protege teu sono de princesa, ser o veludo que te aquece e afaga e ser aquele pai severo (mas nem tanto) que te orienta pelos caminhos da vida.

Queria te alertar das amizades falsas, dos caminhos duvidosos e daqueles que podem ser pedras em teus passos. Queria te abraçar pra te impedir de quedas e feridas e que todo sofrimento e lamúria caíssem sobre mim, nunca sobre ti e teu querido irmão.

Queria estar presente pra te amparar sempre que necessário e estar preparado pra expulsar de teu rastro os amigos ursos.

Mas se o fizer, meu anjo, te privarei de experiências que devem por ti ser vividas e contempladas. Como amadurecerás se eu cuidar de ti tal qual uma porcelana? Ah, que dualidade! Querer te proteger e desejar que amadureças ante os embates da vida.  

Haverá batalhas que por ti e só por ti deverão ser vividas. Se caíres, meu amor, estarei lá por ti! No entanto, possuis brio e qualidades necessárias às lutas da vida. Tens tudo pra te levantares vencedora!

Onde está o urso da amizade? Pergunto eu...

Ele está dentro em ti, filha amada! Este misto de raiva e doçura, braveza e brandura; este pote de mel que cativa de Deus toda criatura,

Que Deus te abençoe e proteja, sempre!
Do pai que te ama,

L.
Londrina, maio de 2016.






quinta-feira, 5 de maio de 2016

Sobre o Amor

Um paciente morreu.

Nenhuma surpresa para o médico que trabalha num serviço de emergência. A morte é uma presença constante. Não que amigos sejamos. Há um respeito mútuo. Às vezes ela vence, outras: eu. Traiçoeira que é, ela retorna outro dia e aí não tem jeito. Encontrar-se com ela é o fim de todos os homens.
Mas como dizia: um paciente morreu. Chegou ao pronto socorro um senhor de 85 anos em parada cardiorrespiratória. Nossa equipe tentou trazê-lo à vida e nossos esforços foram incapazes de reverter aquele quadro. Àquele paciente chegara a sua hora.
Coube a mim, o mais velho do grupo (mas com metade da idade do paciente) informar aos familiares o ocorrido. Ser-me-ia difícil? Não. Estava triste? Abalado com o ocorrido? Não. Enfrentar a morte é nossa rotina. Não seria a primeira vez tampouco a última. Era mais um senhor idoso que encontrou o fim de seus dias. Lá fui eu.
Apontaram–me uma senhora sentada num canto. De longe achei que deveria ter uns 70 e poucos anos. Ao chegar mais perto a vi: bem arrumada, maquiada, com uma impecável saia, blusa vermelha e colar. Cabelos louros pintados, sentada com as pernas cruzadas, coluna ereta e uma postura elegante. Apresentei-me e sentei a seu lado. Contei o estado grave que o esposo adentrara ao hospital e as infrutíferas manobras de ressuscitação. Enfim, ele falecera.
Ela virou-se a mim e perguntou brandamente: “Doutor, meu marido se foi?” Respondi afirmativamente e assenti com a cabeça. “Doutor, ele morreu?” Respondi sim.
Imaginei que ela fosse cair aos prantos ou desmaiar. Nunca se sabe a resposta dos familiares nessas horas. Ela olhou ao horizonte e disse: “Ah Doutor. Por que ele foi embora? Vai ser muito difícil. Será difícil pra todos nós. Mas pra ele será muito mais.”
Como assim? Pensei eu. Entendo que a família sentirá falta afinal foram anos e anos de convívio. Mas e ele? Como ele sofrerá mais? Afinal não morrera?  Enfim, percebi que deveria ouvir essa mulher. Havia algo mais a aprender. Ela percebeu que eu estava atento e interessado e continuou a falar.
Conheceram–se adolescentes. Ela 14 anos e ele 18. Ao se encontrarem na missa, à primeira vez, se amaram só de olhar, segundo suas próprias palavras. Foi um vendaval. Naquele momento selaram suas vidas e souberam que seriam um do outro, para sempre. Foi um casamento de almas. E sendo amor, o seria para sempre.
Quando a gente se casa há um erro no cerimonial. O clérigo costuma dizer  “até que a morte os separe”. Ouso dizer, e esta mulher pode ser a prova disso, que há amor que nem a morte é capaz de separar. Os Romeus e Julietas ainda existem.
Essa senhora me contou do trabalho de ambos por toda a vida, da dedicação e amor aos filhos e o grande respeito e carinho de um pelo outro. Respeito, consideração, partilha, entrega e afeto. Brigas e desentendimentos. Mas nunca que os separasse por muito tempo. Nada que um abraço, um olhar ou um pezinho roçando o outro debaixo das cobertas não fosse capaz de resolver. Pensar e cuidar um do outro, sempre.
Ela me fez a difícil pergunta: “Doutor, onde será que está meu marido?” Titubeei e quando iria questionar a crença dela, ela mesma o respondeu: “Doutor, ele deve estar num lugar muito melhor! Mas independentemente de onde quer que ele esteja, eu tenho certeza: Ele está com muitas saudades de mim!”
Foi o suficiente pra mudar o meu dia.
E continuou: “Ele deve estar muito bem. Só não está melhor porque não estou com ele. Ele está me procurando. Deve estar me esperando.”
Emocionado, segurei a mão daquela senhora. Queria ouvi-la mais, e se pudesse, daria a ela um microfone e pediria que falasse alto a toda uma geração. Mas a plateia ali era eu. E havia muito o que aprender.
Perguntou de mim, de meu casamento e de meus filhos. Pediu que os amasse. Que fosse alegre, brincalhão e divertido. Daqueles que rolam no chão com as crianças. Devotado ao lar e à sua felicidade. Fiel e verdadeiro. As dificuldades viriam. Mas a casa fundada sobre a rocha não cede às tempestades. E o amor é este fundamento. É a argamassa que nos une, é essa coluna sólida que erige o edifício de nossas vidas.
Falou de minha profissão. Da necessidade de médicos que sejam mais humanos e afeitos ao sofrimento dos pacientes. Cuidadosos, afáveis e que não houvesse aquela empáfia. Concordei. Afinal somos todos o mesmo pó.
Despedi-me. Ela agradeceu nossos esforços e o momento compartilhado. Dei um abraço nessa professora de saber viver e agradeci as palavras e as lições de vida.
Não sei onde eternamente repousa o esposo amado. Quem sou eu pra saber onde está, e se está num lugar melhor que este ou não. Tocou-me quando disse que ele deveria estar num lugar melhor e que mesmo assim, sentia a falta do amor de sua vida. Ou seja, a glória eterna não seria completa e sublime sem ela.

Muito me admira a envergadura dessa mulher. Essa coluna pétrea fundida em amor a ponto de afrontar as glórias do Paraíso.


Que o amor seja para sempre, e nem a morte os separe.