O Plátano Pé Vermelho
Plátano de Hipócrates, Ilha de Cós - Grécia |
Hipócrates – o Pai da medicina moderna - viveu na Ilha de Cós (Grécia) onde ensinou medicina a seus discípulos à sombra de um plátano cerca de 480 anos antes de Cristo. Uma das lendas sobre a árvore é que ao longo dos séculos mudas eram plantadas no mesmo local na medida em que a sucessora envelhecia e morria. Assim a memória de Hipócrates seria eternizada, como o é ainda hoje. Aos que visitarem a Ilha de Cós há uma praça com um plátano enorme. Alguns dizem que a árvore atual passa dos 900 anos. E ali é cultuada a memória daquele que lançou bases para a medicina moderna.
Dr. Petrônio S. Reiff |
Nos anos 90 o Dr. Petrônio Stamato Reiff (1927-2015), médico formado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) empreendeu uma aventura até a Grécia com o intuito de conhecer o local sagrado. E não só o conheceu como almejou trazer uma muda do plátano da Ilha de Cós. Há vários relatos do Dr. Petrônio em revistas e mídias contando a saga. Tendo-o feito, plantou em Bebedouro uma muda que cresce ainda hoje e doou outra à sua escola mãe. Dr. Petrônio era médico de outra geração. Época em que a medicina era uma renúncia, quando havia mais deveres que direitos, não havia a proliferação de escolas médicas e a mercantilização do ensino e do exercício da medicina. Outros tempos.
Este inapto aprendiz de escritor nos
anos 90 entrou em contato com a prefeitura de Cós e inicialmente obteve uma
positiva resposta sobre a aquisição de uma muda para plantio em Londrina. No entanto,
ao apresentar a ideia em sua escola, o Curso de Medicina da UEL (Universidade
Estadual de Londrina), não percebeu o mesmo entusiasmo que teve ao desenhar o
projeto do plantio e a ideia não progrediu. É compreensível: havia (e ainda há) tantas outras questões de maior
prioridade. A história e a conservação da memória são de menor importância.
Prof. Carlos S. Lacaz |
A muda que Dr. Petrônio ofereceu à sua escola foi plantada em 1997, numa cerimônia conduzida pelo então diretor da faculdade, e com a participação e fala do maior historiador de nossa arte, o Prof. Carlos da Silva Lacaz (1915-2002). Este, pessoalmente me mostraria alguns anos depois a árvore e me falaria de seu significado e simbologia. Alguns anos depois estive em seu velório no Salão Nobre da Congregação da FMUSP. Suas cinzas foram depositadas junto ao plátano plantado em sua escola.
Passados alguns anos me reacendeu a
ideia do plantio da árvore. Consegui contato com os familiares do Dr. Petrônio.
A família aquiesceu o pedido e providenciou doação de muda. Dr. André (filho do
Dr. Petrônio), os engenheiros Eduardo Reiff (sobrinho) e Eduardo Firmino organizaram
a acomodação, o transporte e a receita. Sim, a receita. Pois para acomodar a muda
ao nosso clima há necessidade de rega constante e adição de vitaminas e sais
minerais, algo que eu seguiria à risca!
Em dezembro de 2015, exatos 5 anos atrás, eu plantei a muda no jardim do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual de Londrina (CCS-UEL) na presença dos Profs. Leandro Diehl, Fabrízio Prado, Fernanda Pegoraro (minha esposa) e de alguns alunos. Um evento simples, humilde, mas de muito significado: uma muda parente da original seria plantada em território Pé Vermelho. Umas das poucas em território nacional.
Ter em nossa escola uma muda parente
da original significa dar valor à história e à tradição. Significa depositar fé
e esperanças no ensino da medicina, na prática à beira do leito e na observação
dos sinais e sintomas e interpretação de seus dados. É o trabalho constante e árduo para amenizar a dor e sofrimento humano. Significa preparar-se para o futuro sem esquecer das tradições
e daqueles que dedicaram parte de suas vidas à causa da Gloriosa.
Significa, no dizer de Hipócrates, conservar puras nossas vidas e nossa arte. E para tanta coisa, há tão pouco tempo, parafraseando Hipócrates (a arte é longa, a vida é breve).
Quando veio o primeiro inverno suas
folhas começaram cair e pensei: morreu minha árvore. Achei que todo o cuidado
com a rega, vitaminas e sais, podas... deram em nada. Folhas ao relento e
muitos galhos secos. Liguei pra Bebedouro e falei com Eduardo. Eu disse que nossa árvore
estava morrendo. Eduardo riu, tranquilizou-me e respondeu que se segui os passos recomendados
era só uma fase e questão de tempo. Em breve ela retornaria a seu vigor. Ele estava certíssimo. Logo era retornaria em seu esplendor.
É uma simples metáfora de nossas
vidas e em especial de nossa arte médica. Havendo bases, raízes sólidas, constante
rega e cuidados ela se tornará frondosa. Quando a semente cai em boa terra ela
frutifica, conforme a Parábola do Semeador nas Sagradas Escrituras. Assim é a
prática médica: com sólida formação, dedicação, estudo e empenho o resultado é
promissor. Haverá revezes e intempéries, mas a semente em boa terra frutifica,
assim como a casa construída com bases firmes não cede à tempestade.
Que assim o seja em nossas vidas.
Espero que demore muitos anos, pois
um dia outros restos mortais serão depositados à tua sombra, em honra à casa
que tanto amei.
Gostaria de dedicar estas linhas à saudosa memória da Profa. Ides Miriko Sakassegawa, aluna da Turma XIII da MEDUEL - A Gloriosa.
Belo e inspirado texto, meu amigo!
ResponderExcluirParabens por toda sua dedicação, e por sempre valorizar a história da Medicina!
Parabéns pelas palavras e disposição em preservar nossa História, Lúcio! Aprendi e ainda aprendo muito com você! Abraço!
ResponderExcluirParabéns por perpetuar a História de querida e honrada profissão.
ResponderExcluirDra. Ides foi uma pessoa especial para mim e nossa turma, a 17a.
ResponderExcluirQue honra para a nossa Instituição, perpetuar uma tradição tão nobre, mesmo que poucos a reconheça e valorize. Em breve irei à procura para uma visita ao seu Plátano, com a memória dessa história tão significativa bem viva. Tenho certeza que os antepassados da medicina da nossa querida UEL estão vibrando de felicidade com esse ato!!!
ResponderExcluirPrezado Lúcio, na qualidade de sobrinho do Dr Petrônio, primo de André e Eduardo e médico em Bebedouro, quero cumprimentá-lo pelo excelente texto e pela bela atitude em prol da boa medicina !!
ResponderExcluirAmei o texto,a história, a sensibilidade do autor....Emocionante! Parabéns!
ResponderExcluirParabéns Dr. Lucio! Belíssimo texto!!! Emocionante!!! A família Reiff tem muito orgulho dessa história!!! E eu, muito orgulho dessa família!!!
ResponderExcluirLindo texto e linda história!
ResponderExcluirUma delicada e profunda homenagem, que nos faz refletir sobre muitas coisas!
Parabéns, colegas.Tanbem acho importante manter algumas tradições.Esoero que esse plátano dure muito. É um março, assim como o Perobal,início da nossa Faculdade de Medicina.
ResponderExcluirGratidão por divulgar esse fato histórico importantíssimo Londrina, de nossa UEL e de tua própria biografia, Dr. Lucio Baena de Melo, registrando a dignidade e o respeito que vc teve para com essa profissão tao meritória e nem sempre exercida nos principios hipocraticos e cristãos, que revelastes com tanta modéstia e muita paixão.Receba os cumprimentos da filha de um médico que amou e exerceu a medicina como vc, da nova geração está fazendo e honrando. Cito Dr.Joao Dias Ayres, da turma de 1937 da UFPr, medico pioneiro e fundador do Hospital Sao Lucas, 1947, em Sertanópolis . Abraços.
ResponderExcluirParabéns, Lucio...sempre me inspirei naqueles que nos ensinaram e ainda nos ensinam...sempre achei que medicina é mais que aprender doenças e sim sobre vida...sua atitude engloba tudo isso...obrigada!!!
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