Meu querido Faissal,
No dia 21 de janeiro, há 18 anos, lamentávamos tua prematura partida. A dor adquire maioridade. Recordo o dia que fomos tomados pela triste notícia. Na antiga sede da Associação
Médica teus colegas docentes o pranteavam e uma geração de alunos sentia-se
órfã, e com lágrimas nos olhos tentava expressar seu último adeus. Vi ali todos meus antigos mestres, todos aqueles que contigo construíram nossa Gloriosa Escola de Medicina. Todos descrentes com os desígnios do Altíssimo. No auge da carreira e do reconhecimento de colegas e alunos, era chegada tua hora.
Lembro a
última vez que o vi antes de tua doença e de tua via crucis. Foi na rampa
que liga o CCS à enfermaria. Estavas de branco com o inseparável cigarro
à boca e óculos à ponta do nariz. E me cumprimentastes de forma cordial, como sempre. Só o
veria novamente na derradeira despedida. E posteriormente o veria com
regular frequência em minhas saudades e em devaneios, quando me passava pela mente o papel do docente na formação de seus alunos.
Naqueles idos de 1997, ano de minha formatura, este inapto aprendiz de memorialista escreveu umas linhas
para honrar-te a memória. Lera em algum lugar uma frase e achei-a apropriada à
época e momento:
‘Ninguém morre enquanto perdura sua memória’.
(‘‘Nemo perit dum mane at memoria ejus’’).
As gerações seguintes deixariam de conhecer um semiologista como tu fostes, um semiologista de verdade. Eras mestre na arte de perscrutar sinais e sintomas. Alguém aos
moldes de Torres Homem ou Vieira Romero. Aqueles que de posse de história
clínica pormenorizada e em uso de técnica semiológica impecável chegavam ao
correto diagnóstico.
Creio que minha turma, a 44°, tenha sido a última a receber teus
ensinamentos. Naquela salinha da BD que nem existe mais, uma vez
por semana discutias os casos valorizando desde a identificação completa do
paciente até minúcias do estilo de vida, histórico completo e exame
clínico primoroso. E quantas vezes quando o diagnóstico final diferia
daquele que propuseras, tu o dizias: "Então a história está errada!" E
não é que tinhas razão inúmeras vezes? Eras um Joseph Bell, um sherlockiano.
A distância entre teu conhecimento clínico e o pouco saber de teus alunos não nos separava. Havia uma proximidade salutar entre nós, inexistia aquele muro
que assombra e separa o corpo discente do docente. Não se importava de compartilhar o que aprenderas por toda a curta vida. Tua missão era ensinar os mais jovens e por nós era admirado. E no final das
reuniões, entre quantidade generosa de café, cheiro de
tabaco e gargalhadas recebíamos do mestre o honroso conceito: "Nota zero
pra você!" Era risada pra todo lado. E o saldo: sólido
aprendizado.
Uma vez li em algum lugar: "Medicina se aprende à beira do leito e ao lado
de quem sabe". Foi com gente de quilate como o teu que ousei aprender a mais nobre das artes: a de amenizar a dor e o sofrimento humano. Quantos de tua envergadura andaram pelas enfermarias do HU partilhando seus ensinamentos. Fico feliz de ter conhecido a maioria dos mestres que eram de tua geração. Muitos já se aposentaram e outros também já partiram. Permanecem a saudade, os ensinamentos, o exemplo e a esperança de um encontro.
Muitos depois de ti passaram por nossa escola e ouviram o chamado do passado: "Não se esqueçam de tua antiga casa"... Alguns ouviram e retornaram à casa a que tudo devem.
Eu ouvi o chamado e a ela voltei.
Dias atrás uma Turma de Medicina, a 62, viu por bem escolher este aprendiz de professor como Patrono de sua Turma. Em meu discurso lancei o desafio: "será que não haverá ao menos um que retornará a esta casa, se dedicará a ela e repassará a outras gerações o que aqui aprendeu e aperfeiçoou em outros centros?"
Pedi que jamais esquecessem de nossa antiga Casa. De tudo o que ela representou e representa na formação dessas gerações de médicos.
Na medida em que tua geração termina o bom combate é tempo de nos preparamos pra assumir os postos de quem honrosamente deixa a batalha. Com olhos no passado e ainda sem perder a esperança tentamos dar continuidade a senda pelos mestres iniciada.
O horizonte, confesso, não é dos melhores.
Mas ainda não perdemos a esperança.
Saudades, sempre,
L.
Muitos depois de ti passaram por nossa escola e ouviram o chamado do passado: "Não se esqueçam de tua antiga casa"... Alguns ouviram e retornaram à casa a que tudo devem.
Eu ouvi o chamado e a ela voltei.
Dias atrás uma Turma de Medicina, a 62, viu por bem escolher este aprendiz de professor como Patrono de sua Turma. Em meu discurso lancei o desafio: "será que não haverá ao menos um que retornará a esta casa, se dedicará a ela e repassará a outras gerações o que aqui aprendeu e aperfeiçoou em outros centros?"
Pedi que jamais esquecessem de nossa antiga Casa. De tudo o que ela representou e representa na formação dessas gerações de médicos.
Na medida em que tua geração termina o bom combate é tempo de nos preparamos pra assumir os postos de quem honrosamente deixa a batalha. Com olhos no passado e ainda sem perder a esperança tentamos dar continuidade a senda pelos mestres iniciada.
O horizonte, confesso, não é dos melhores.
Mas ainda não perdemos a esperança.
Saudades, sempre,
L.
Prezado Lúcio
ResponderExcluirAntigo que sou neste hospital, tive o privilégio de conhecer o Dr. Faissal. Da mesma forma que o Dr. Waldir, faz muita falta. Se esta instituição tiver memória, talvez para sempre.
Parabéns pelo texto e lembrança.
Décio